No final dos anos trinta, os Blocos Carnavalescos de Porto Alegre atravessavam momentos de dificuldades. Era necessário fazer algo. Foi aí que dois jovens decidiram criar uma nova entidade, um grupo carnavalesco capaz de reacender toda a alegria e energia do povo carnavalesco nos festejos de Momo.
Oriundos do bloco Os Turunas (já extinto), Fernando de tal (Donga), natural de Jaguarão e Alfeu Gonçalves (Alfeu Alfaiate), natural de Porto Alegre, encontraram-se com outros amigos - alguns também vindos de Jaguarão – e decidiram pela fundação de um grupo carnavalesco. Do desejo à realização, foi um pulo.
No dia 6 de maio de 1940, na residência da família Vargas, contígua a residência da família Silva, localizada no número 768 da rua Santana, no bairro de mesmo nome, Donga e Alfeu reuniram-se com os amigos, Orlando Teixeira, Lafaiete Terra Soares, Élbio Soares de Lima, Peri Vargas, Armando Vargas, Alcides Dias, Natálio Silva, Adão Alves Leão, Hemetério Barros e Benedito dos Santos. Abolindo qualquer protocolo, deram início à fundação da entidade que se chamou Grupo Carnavalesco Bambas da Orgia. Em votação aberta, escolheram entre os presentes o Presidente do Grupo, o Solista e o Padrinho. Coube a Hemetério Barros o cargo de Presidente. Laerte Vargas, na época cantor profissional famoso, tornou-se o Solista e a Benedito dos Santos se concedeu a honra de apadrinhar a entidade. Sem imaginar o que o futuro reservava, brindaram em alto estilo à prosperidade do novo grupo carnavalesco: se iniciava História dos Bambas da Orgia.
A falta de registros e da ata da reunião inaugural impossibilita a identificação precisa dos legítimos fundadores, bem como as regras acordadas, além das que ficaram confirmadas pelos relatos dos remanescentes. Em tempo, assim como afirma o ditado, “quem tem padrinho não morre pagão”. Benedito dos Santos, alguns dias após a fundação, acompanhado de sua noiva “Tuti”, levou a Bandeira do Grupo à Igreja São Francisco de Assis para batizá-la. A partir dos relatos, destacam-se quatro decisões da diretoria:
1° - O Grupo Carnavalesco adotou como suas cores o Azul e o Branco;
2° - Como símbolo se oficializou o Mapa do Rio Grande do Sul;
3° - Somente homens poderiam participar dos desfiles de rua;
4° - O número máximo de desfilantes não ultrapassaria a 20 pessoas.
E foi com seus primeiros 20 componentes que Bambas da Orgia fez a sua primeira aparição, preparando-se para o Carnaval de 1941. Visitaram as casas dos velhos amigos do bairro Santana com a alegria e energia positiva que se tornaria característica marcante dos seus desfilantes. No Carnaval de 1942, houve uma solicitação para aumentar o número de componentes de 20 para 21. O Carnaval anterior tivera um grande sucesso. Sem obter consenso em diretoria, foi necessário partir para votação. Os solicitantes foram derrotados, e por isso retiraram-se para fundar uma nova entidade, o Grupo Carnavalesco Nós os Democratas (já extinto).
Em 1946, no Carnaval intitulado como o da Vitória (alusivo ao término da 2ª Guerra Mundial), foi revogada a decisão polêmica que limitava o número de componentes. Bambas da Orgia, agora um conjunto de 50 componentes, sagrou-se vice-campeão, perdendo para o Grupo Carnavalesco Aratimbó (já extinto). O Campeão havia desfilado com 80 componentes.
Bem ensaiados e cantando Sambas e Marchinhas levadas pela cadência ritmada de surdos, contratempo, cuícas, pandeiros e reco-reco, Bambas foi de pátio em pátio. Foi do pátio dos Vargas, pro dos Silvas, dos Figueiras pro dos Teixeiras.
Ainda em 1946, vivendo problemas de ordem interna, Bambas da Orgia esteve perto de encerrar as atividades. Esse lamentável fato só não ocorreu graças a interferência providencial do Sr. Lourival da Silva, um colaborador apaixonado pelos Grupo Carnavalesco. Foi esse mesmo colaborador que, no ano posterior, sugeriu a troca do Solista Laerte Vargas (por incompatibilidade profissional), pelo ainda menino, Ariovaldo Alves Paz. Por ser menor de idade, a família Paz exigiu da diretoria um responsável pela segurança do guri. A tarefa de zelar pelo novato, mas competente Solista ficou sob os cuidados do Sr. Ênio Terra.
No mês de julho de 1951, o Grupo Carnavalesco Bambas da Orgia revoga mais uma das decisões do período de fundação. É criado por Maria Noronha, o Departamento Feminino Azul e Branco. Esse tempo de transformações dentro da Entidade intensificou-se no ano de 1953, onde foi registrada em cartório o primeiro estatuto, alterando a nomenclatura de Grupo Carnavalesco para Sociedade Recreativa Bambas da Orgia.
Bem ensaiados e cantando Sambas e Marchinhas, lá foram os Bambas mais uma vez. Do pátio dos Leões para o dos Terras, para o dos Santos e para o dos Amarais. Foi por essa vizinhança que o Bambas arrancou para o seu primeiro desfile competitivo.
Em 1956, os Bambas da Orgia sagram-se campeões do primeiro Carnaval Oficial da Cidade de Porto Alegre. Essa precursora vitória inaugura uma série de outras conquistas relevantes. E assim iniciou-se um ciclo virtuoso, com a realização de reformas administrativas e aperfeiçoamento do modo de fazer carnaval. Estava chegando a era das Sociedades Recreativas.
É nesse contexto que, no Carnaval de 1957, fez tremular pela primeira vez a sua Bandeira Azul e Branca, conduzida pelas mãos hábeis do seu Porta-Bandeira, Luiz Roberto Sampaio (Tesourão).
Bem ensaiados e cantando Sambas e Marchinhas, lá foram os Bambas mais uma vez. Da casa do Laerte Terceiro para o pátio dos Soares de Lima. E depois, o destino ajudou: estava de volta para ocupar, por um bom tempo, o salão Rui Barbosa, residência da família Parulha.
Dos pátios românticos das casas dos velhos amigos, Bambas alçou seu voo maior. Alicerçou a tradição de fazer samba e multiplicou a crescente legião de fãs. O chamado salão Rui Barbosa, da Casemiro de Abreu, dos Bambas ou simplesmente a Casinha, como era carinhosamente conhecido, enfeitou-se como o brilho da S.R. Bambas da Orgia. Ganhou produção, decoração e efeitos.
A cidade era toda festa com as concorridas domingueiras, local das mulheres mais bonitas, das orquestras e conjuntos melódicos fantásticos. O surgimento da AECPARS em 1960, fez com que as Sociedades Recreativas ajustassem seus estatutos, a fim de poder participar de rateios de verbas públicas e outros auxílios.
Bambas alterou sua razão social para Sociedade Beneficente Cultural Bambas da Orgia, que permanece até hoje. A sede permaneceu no Salão Rui Barbosa de 1956 a 1964. A partir daí, iniciou nova caminhada, avançando com passos firmes e a conduta dos que sabem o que querem. Organizou uma quadra de ensaios no antigo campo da fábrica de fogões Geral, na Veador Porto. Depois, foi ao Passo d´Areia, na rua Piauí, sede de um clube já extinto. Até que, em 1973, ocupa a sede do Grêmio Esportivo Força e Luz na rua Alcides Cruz, 125 no bairro Rio Branco.
O período no campo do Força e Luz foi outro momento rico e marcante em nossa história. Os ensaios eram concorridos, inclusive com a presença de cambistas vendendo ingressos nas cercanias da quadra, algo visto à época somente nos jogos da Dupla Gre-Nal. Também foi um período de grandes títulos. Bambas permaneceu na sede do Força e Luz até o ano de 1992.
Por iniciativa de Hermes Souza, ex-presidente e diversas vezes Diretor de Carnaval, o Bambas foi novamente batizado. Dessa vez, nos anos de 1976 e 1977, pela também Azul e Branco G.R.E.S. Portela, tradicional Escola de Samba do Rio de Janeiro. Nessa oportunidade, houve a troca do seu primeiro símbolo - o Mapa do Rio Grande do Sul - pela imponente e majestosa Águia Real, o mesmo símbolo de nossa madrinha.
Atualmente, Bambas é a escola de samba mais antiga que atua em Porto Alegre. Sua história de resistência e lutas despertou o interesse da academia, tornando-se uma tese de mestrado de uma aluna da UFRGS e posteriormente transformando-se em um livro de circulação nacional.
Desde a consolidação de sua sede na Avenida Voluntários da Pátria, no Centro de Porto Alegre, a escola tornou-se mais atuante socialmente, com vários projetos de cunho sociocultural. No projeto “Bambas do Futuro” (1994-2004), integrantes do Corpo de Baile da Escola ministravam oficinas para crianças e adolescentes, formando grandes nomes no meio do carnaval que hoje atuam em Escolas de Samba de Porto Alegre, de outros municípios do estado e fora dele, até mesmo em entidades do Carnaval do Mercosul. Outro projeto, conhecido como “Sopa da Águia”, oferecia sopa para pessoas em situação de vulnerabilidade social durante o inverno.
Hoje, a escola conta com um departamento de projetos que visa retomar a forte atuação social da entidade, contribuindo com a comunidade através da busca de alternativas para a melhoria de sua realidade cultural e social. É constante a busca de parcerias nas esferas pública e privada para a realização de ações positivas, sempre com foco em nossa missão e propósito:
- Promoção da cultura popular
- Preservação do registro e memória do legado cultural da agremiação
- O combate permanente à discriminação étnico-racial e social
Quando falamos de tradição, a Velha Guarda é o expoente máximo, a guardiã da identidade da agremiação. Por isso, seus membros participam ativamente da rotina da escola e continuam escrevendo a sua história. A Velha Guarda Musical da Bambas da Orgia realiza um trabalho de resgate, exaltando antigos sambas de enredo da escola e outros sambas brasileiros icônicos. Já a Bateria da Velha Guarda mantem viva a cadência que tornou a bateria dos Bambas da Orgia conhecida e admirada.
Somos também o Ponto de Cultura Terra de Bambas, desde 2019 reconhecido pelo Ministério da Cultura e pela Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Além de um local para a prática, o aprendizado e a vivência da cultura do carnaval, somos referência em fomento e promoção da cidadania, bem como das ações inclusivas através dela.
E assim seguimos, levantando a bandeira da cultura popular, da inclusão e da cidadania. Sejam todos bem-vindos!
TEXTO: LIZANDRA MORAES ADAPTAÇÃO: DANIEL MENDES